As nuvens estavam cor-de-rosa. Joana olhava-as através das
bolas de sabão que soprava e que subiam rumo ao céu.
- Vá, mana, sopra! – pedia João com palavras atabalhoadas
que, naquele verde prado ao vento, iam depois poisar nos ouvidos da irmã.
Joana descolava então o seu olhar do céu e, enternecida com a
doçura da voz que ouvia, soprava, vendo-o depois correr atrás das bolas.
Inundadas de luz, pareciam levar com elas o arco-íris.
- Está ali um castelo! – exclamou Joana, agora deitada na erva
fresca, dando início ao jogo ‘o que escondem as nuvens’.
- E ali um cão! – dizia João, apontando para uma nuvem que,
mudando de forma, parecia agora correr.
- E eu vejo… um coração! – disse a mãe, deitando-se entre os dois
filhos e entrando na brincadeira que lhe recordava a sua própria infância.
- Pois é, ali! – apontou Joana – É o símbolo do amor, não é?
- É… o símbolo dos amores… - respondeu a mãe.
- Amores?... Há mais que um amor? – perguntou Joana, pensativa.
- Há muitos, todos grandiosos! E não se sentem apenas no coração
que bate acelerado… Sentem-se em todo o corpo: nos olhos brilhantes, no sorriso
mais bonito, nos pêlos dos braços que se eriçam, nas pernas que às vezes
tremem, na barriga que parece ter borboletas a esvoaçarem dentro dela.
Joana sentara-se. Os seus dez anos estavam a transbordar de
curiosidade e as palavras da mãe eram como as bolachas de canela da avó. Queria
sempre mais uma…
- Mas porque falaste em amores? No plural?...
- Bem… Podemos amar um filho, uma mãe ou um pai, um irmão, um
namorado, um amigo, a Natureza… são amores diferentes. Mas há algo comum a
todos eles… Depois vais tu dizer-me o quê, está bem? – desafiou a mãe, então
com o João aninhado no seu colo. Apesar dos seus três anos, gostava de ouvir as
explicações da mamã. Eram melodias compostas de palavras doces e sábias.
- Mas amor é amor, ou não? – contestou Joana, ainda com dúvidas.
- Olha, os amores são como as cores. O amor entre irmãos é
cor-de-rosa. Ternurento, cúmplice, brincalhão. É o amor de uma meninice
partilhada com brincadeiras… e também algumas desavenças – disse a mãe,
sorrindo e acariciando os cabelos encaracolados do seu menino – É o amor que
crescerá convosco e que será cada dia maior, tal como vocês serão cada dia mais
altos. É a certeza de haver alguém sempre connosco, aquele que partilhou a
mesma casa, o pai e a mãe.
Joana olhou o irmãozinho, segurando-lhe a mão rechonchuda.
- É assim mesmo o meu amor por ti, João. Cor-de-rosa muito claro…
E o amor entre os papás? De que cor é?! – perguntou a menina, corando
ligeiramente.
- O amor entre os pais começa por ser vermelho, quando se
apaixonam. Contam os minutos para estarem perto um do outro, abraçam-se e
beijam-se muito… - explicou a mãe, observando os risinhos envergonhados de
Joana – e depois, a cor muda para amarelo polvilhado de pozinhos dourados... É
uma cor mais serena cheia de esperança de uma vida conjunta, criando uma família,
com o nascimento dos filhos. É uma cor que brilha, pela felicidade que é
partilhar a vida com uma pessoa que nos completa… e que amamos.
- E de que cor é o amor que temos pelos amigos? A esse amor
chama-se amizade? – perguntou Joana, lembrando-se do que sentia pela Matilde, a
sua melhor amiga.
- Bem, de facto amizade é o nome que se dá ao sentimento que temos
pelos amigos. Mas temos amigos tão especiais que o sentimento é maior que a
amizade. São amigos que parecem irmãos e então, o que temos por eles é amor.
São como irmãos que nasceram de outros pais – gracejou a mãe, bem-disposta,
sentindo o pôr-do-sol, morno, no rosto – É o amor azul. Um azul de céu de
Verão, límpido e apaziguante.
- É assim com a Matilde… A nossa relação é, sem dúvida, azul!
Falaste na Natureza… Também se pode amar? – indagou Joana.
- Sim, princesa! Podemos e devemos amar os animais, os rios, as
flores, as árvores. Amar a Natureza é amar a casa de todos nós. E é um amor
verde, como um lago em sossego. E, ao amar a Natureza, nasce em nós o desejo de
a ajudar. Amar uma flor é tratá-la e admirá-la. Não é colhê-la.
- Nunca tinha pensado nisso… E acho que essa é a resposta à
pergunta que me fizeste! – exclamou Joana, satisfeita por ter encontrado a
solução para o desafio que a mãe lhe colocara.
- Como assim, filha?
- Amar não é possuir, pois não? Amar é ajudar, partilhar e deixar
livre… Se quisermos possuir, é porque não é amor verdadeiro – disse Joana,
agora novamente deitada na erva e de olhos fixos nas nuvens. Nuvens que
dançavam ao sabor da voz da mãe.
A mãe estava agora de lágrimas nos olhos. Rolavam perfeitas e
pareciam clamar pelo amor em falta em toda aquela conversa: o amor branco.
- Porque choras, mamã? – perguntou João, limpando com a sua doçura
de criança as lágrimas do rosto da mãe.
- Estas são as lágrimas que nascem do amor branco, meus filhos. É
o amor de mãe e de pai. É o sentimento que nasce em nós quando sabemos que um
bebé do tamanho de um bago de arroz está a crescer na barriga. É branco porque
tem todas as possibilidades: o amarelo quando brincamos juntos nos baloiços, o
cor-de-rosa quando nos aninhamos no sofá numa tarde chuvosa de Domingo, o
castanho quando fazemos juntos um bolo de chocolate…
- … o cor-de-laranja quando nos lês um livro de aventuras, o azul
quando corremos na praia, o verde quando calçamos as galochas e saltamos nas
poças de água! – continuou Joana, radiante.
- E preto, mamã? – perguntou João, percebendo que raramente se
falava naquela cor escura.
- O preto aparece no coração dos papás ao verem um filho doente… -
respondeu a mãe, cujo olhar assumiu essa cor por instantes – Mas este amor
também pode ser vermelho, quando os pais ralham!... – continuou depois,
fingindo-se zangada.
-Mas se ralham, não é amor… - respondeu Joana, vendo que a lua se
acendera já no céu.
- Ai é, é. Quando os papás se zangam, fazem-no porque querem
ensinar os filhos a fazerem o que é correcto. Também aí há amor, embora
ruidoso! Mas a maior parte das vezes, o amor de mãe e de pai é mesmo branco… é
completo, maior que a distância da Terra à lua – continuou a mãe, abraçando os
dois filhos.
- Posso dizer-te qual é a cor do meu amor por ti, mamã? –
perguntou Joana.
- Sim, princesa. De que cor é? – retorquiu a mãe, curiosa.
- É violeta. Como os lilases que vejo da janela quando me dizes
‘bom-dia’ . Como a fada que dorme comigo e me protege dos sonhos maus. Um
abraço teu faz passar todos os medos e o teu sorriso é como o sol que nasce.
Todos os dias.
Uma bola de sabão que ainda por ali voava veio rebentar no nariz
do João. Entornou então nos três corações todas as cores do arco-íris. Todas as
cores dos amores.
Eunice Guerreiro
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