«Os putos – contos escolhidos» de Altino do Tojal
O primeiro conto lê a infância: «Os crepúsculos eram negros, mas as manhãs… Enquanto a minha tia afligia os infelizes diabitos à sua mercê, entre quatro paredes sombrias forradas de velhos mapas rasgados, eu vadiava longe, na luminosidade mágica do dia, as mãos atrás das costas, as aletas do nariz palpitando a cada aragem resinosa, a guedelha tombada para os olhos como a crina dos póneis, gloriosamente sujo».
O último lê a idade madura: «Além de velho, feio, azedo e doente, sou pobre. E tenho livros publicados, pois tenho, o que não me libertou da pobreza. Vê-se que nunca lidaste com editores. Publicam-me os livros, mas quanto a pagar… Editores, editores…»
No intervalo surge a memória do avô: «Meu avô gozava de prestígio, porque em novo apertara pessoalmente a mão do presidente Bernardino Machado – um verdadeiro democrata. Recebia regularmente do Brasil uns jornais onde regularmente se dizia mal de Salazar e costumava levá-los para o café, depois do almoço, a fim de ler trechos perigosos aos confrades». Como pano de fundo geral, a solidão: «Penso que continuei a respirar os ares deste mundo porque a minha imensa solidão era afinal um firmamento povoado de boas histórias à espera de serem contadas. Expressar através da palavra escrita, com a máxima beleza e a mais pura limpidez, aquela tensão criativa permanente, cujo excesso de luz interior punha clarões nos meus olhos e me fazia andar pelas ruas como um sonâmbulo, eis verdadeiramente o que me mantinha vivo.»
Altino do Tojal: uma escrita de recorte clássico num autor moderno.
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